terça-feira, outubro 2

O GRONELANDIA

O Gronelandia, lugre de 4 mastros , construído em madeira em Vila do Conde 1922 como "Viana", faz a campanha de 1941 levando a bordo um jornalista do "Diário da Manhã", o Sr. Jorge Simões e que depois escreveu o relato, em livro " Os Grandes trabalhadores do Mar", no que se diz ser um aproveitamento politico por parte do Estado Novo.
A estória que conto a seguir, é de memoria, e vem magistralmente contada no livro, pelo Jorge Simões. Não creio roubar o senhor contando-a como a sei. Pela sua singeleza, apeteceu-me recordá-la; Apreciem
"No lugre Gronelândia “ Groenlândia” no dizer das nossas gentes, havia um moço de convés, o Gomes, de Ilhavo; Era um rapaz sisudo, a quem a vida tinha sido particularmente madrasta: Órfão de pai durante a gravidez da mãe, e órfão novamente pela morte desta durante o parto. Eram tempos particularmente difíceis, os tempos da guerra mundial, apesar da nossa neutralidade. E Ilhavo não escapava ao panorama geral. Conta-se que o Gomes foi depois acolhido pela avó materna e por esta criado, mas sem amor e sem os carinhos que as crianças tanto necessitam; Era mais a porrada que o fazia andar. Assim que pode , o Gomes, tratou de embarcar para o bacalhau, que ao tempo, dava os primeiros passos, em Portugal. E assim, lá embarcou no “ Groenlândia” como moço de convés. A sua vivência a bordo, mau grado a sua educação esmerada e respeito pelos colegas de sacrifício, era passada entre as tarefas e o beliche, para o descanso e as muitas leituras, de que tanto gostava. Afinal fizera a quarta classe com distinção, e apesar das insistências do Professor Vergas, o rapaz ficara por ali. E quando os maus tempos apertavam, o Gomes era sempre o mais disponível, o primeiro a desembaraçar-se, e o primeiro a saltar na ajuda aos camaradas , muitas das vezes a raiar a imprudencia e o risco próprio; Se questionado,do porquê de tanto afã ,respondia invariavelmente: Ora, não tenho ninguém que me espere.... Tanto se me dá morrer hoje como amanhã.... Apesar de tudo a vida continuava, e o Gomes, já na sua terceira viagem, vai “ arriar” como pescador verde, para satisfação do Capitão do navio, que o via como uma promessa de pescador e de Homem. Num dos dias de faina nos baixios dos Virgin Rocks, os Rócos , como nós lhes chamamos,e apesar do tempo estar bom pela manhã, o que pressagiava um dia de pesca calma, lá pelo meio dia levantou-se um vento de SW, depressa a refrescar, que rápidamente obrigou o Capitão a içar a Bandeira negra e a dar sinais para os botes regressarem , afim de recolherem ao navio. Assim se foi passando o resto do dia, com os botes a virem à borda, “garfar ” peixe para bordo, para depois serem içados pelas mãos possantes do todo o pessoal , que nestas ocasiões costumava ajudar . O Contra Mestre, lá ia gritando ora com um, ora com todos, no seu afã de ver tudo e todos a salvo. É então que alguém nota a falta do Gomes, já o ultimo bote estava a ser peado. Do Gomes, nem sinal, e o tempo a vir a mais, com o navio a largar mais amarra, à medida que o mar lambia o convés e os quetes, querendo novamente levar os bacalhaus, que julgava seus. A aflição e ansiedade cresciam a bordo, pois apesar de tudo, o Gomes era rapaz estimado por todos: Todos se tinham habituado a gostar dele, apesar do deu feitio. A espera aumentava a ansiedade do Capitão e da tripulação, que recordavam, particularmente nestas horas feitas dias, os que não mais voltaram; Uns, que tinham presenciado, e outros, ouvido nas historias que se contavam em terra, lá em Ilhavo ou nas Gafanhas, que falar disso a bordo era proibido. Já pouco se esperava do horizonte empoalhado e marejado de carneirinhos, quando se vislumbra uma sombra, assim para vante do través, a barlavento,uma especie de fantasma , a avançar graciosamente para o navio. Com um pouco de pano a servir de vela e o remo bem mergulhado na água a governar o seu dóri, o Gomes trazia o seu barquinho bem carregado, até demais, no dizer de quantos o esperavam; - Estive a ajeitar a minha “teca”, que foi?? Afirmou à laia de pergunta sem resposta. Os outros também o fazem sempre, acrescentou, a ver se evitava o ralhete do Capitão que o olhava furibundo, mas aliviado. Ó Homem, podias ter lá ficado, com o bote nesse estado.... És doido ou quê? Ora ,tanto se me dá morrer hoje como amanhã.... não tenho ninguém .... foi a resposta pronta, ainda com as botas atulhadas de bacalhaus, e a começar a garfar para o navio, apesar dos violentos balanços a que o mar o abrigava. Não demorou muito que uma voz forte se ouvisse de dentro do lugre: - Prega-se o bote ao convés, o Gomes não arria mais de pescador! Era o Capitão quem assim falava, para poupar uma imprudente vida que o mar queria reclamar.

10 comentários:

Anónimo disse...

Tenho a certeza que tanto o GOMES como o JORGE SIMÔES onde quer que estejam não ficaram chateados por nos contar esta história!Lamento que hoje em dia qualquer "borra botas",publica livros da treta e vocês que participaram na pesca do bacalhau que quer queiram quer não faz parte do nosso patrimonio histórico e cultural do qual eu tenho muito orgulho, pouco sabemos!Mas aí vocês tambem tem culpa porque por vezes parece que não querem falar!!!Não sei se por modéstia a mais ou por acharem pouco significativo o que fizeram!!! O que eu lamento porque na minha opinião estão errados e sei que têm tantas histórias fantásticas por contar...De que estão à espera?JC.

garina do mar disse...

que história bonita!

Anónimo disse...

Esta história também é bonita.
Too long though.
Já me falta a vista aiiiiiiiiiii

SWT

Jose Angelo Gomes disse...

Mas hão-de sobrar outras coisas....

garina do mar disse...

pássaros por exemplo ;)

Jose Angelo Gomes disse...

Pois....
:)

Anónimo disse...

Não sei se sobra alguma coisa válida de mim, porque, neste ritmo alucinante de ler e aceitar uma lei nova por dia, uma portaria ou uma circular todas as semanas, estou a perder todas as referências.
Can anyone rescue me?

P.S.(o mesmo de sempre): os passarinhos estão bons, mandam beijinhos e logo, logo estão aí para Vos abraçar

garina do mar disse...

bem, pelos visto há um sector cheio de dinâmica!!!

Laurus nobilis disse...

Direi mais... que bonita história!

Anónimo disse...

Sinceramente gostei da história deste Gomes, e concordo absolutamente quando se diz que será imperioso contar todas as outras histórias dos outros Gomes que por lá andaram. Acredito que a “Epopeia dos Bacalhaus” foi sem dúvida uma segunda epopeia marítima que os nossos marinheiros viveram, com tanto ou mais sacrifício e coragem que a dos “Descobrimentos”, só que ao contrário desta, continua esquecida pela grande maioria do povo português. Antes de terminar, quero esclarecer que a pesca do bacalhau em Portugal não deu os primeiros passos no tempo do Estado Novo, embora tenha tido um grande incremento neste período. A história ensina-nos que podemos recuar até ao final do Século XV, reinado de D.Manuel I e percorrer todo o Século XVI até ao reinado de D.Sebastião, para assistirmos a grandes frotas de naus, a rondar as 100 unidades, a trazer anualmente para Portugal cerca de 3000 toneladas do fiel amigo, não só para regozijo da população, como para os cofres do reino em forma de dízima cobrada.
Saudações Marinheiras (Marinheiro de Abordagem)